Poder e Cotidiano em Sergipe
PREÇO DIFERENCIADO NO PAGAMENTO COM CARTÃO É ABUSIVO 1 de Julho 8H:51

PREÇO DIFERENCIADO NO PAGAMENTO COM CARTÃO É ABUSIVO

*Flávio Augusto Araújo Cardoso. Advogado, pós Graduando em Direito Público, membro da Comissão Especial de Eventos Desportivos da OAB/SE. Sócio do Escritório Cardoso Bispo Zuzarte Advogados
 
 

As compras realizadas com cartões de crédito e débito sempre causam muitasdúvidas entre consumidores e lojistas, especialmente no que diz respeito aos direitos e
deveres de cada um nesta relação. A celeuma instaurada no presente artigo centra-se em saber e informar o leitor/consumidor se a cobrança de preços diferenciados, pela mesma mercadoria, para o pagamento em espécie e para o pagamento efetuado por meio de cartão de crédito, constitui ou não prática consumerista reputada abusiva.
Inicialmente, convém anotar que o sistema de cartão de crédito e o respectivo setor carecem de regulação específica. A despeito de esforços nesse sentido, com a
tramitação dos Projetos de Lei advindos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ns. 213/2007 e 2533/07, respectivamente, antagônicos quanto à possibilidade de se fixar preço diferenciado para a compra da mesma mercadoria, ressalte-se, é certo inexistir, até o momento, definição legal específica sobre esta questão. Entretanto, a presente controvérsia pode e deve ser analisada, sob o enfoque da lei consumerista, bem como da Portaria 118/1994 do Ministério da Fazenda.


Anota-se que, para o deslinde da controvérsia, impõe-se analisar, detidamente, as diversas relações jurídicas que o contrato de cartão de crédito encerra, considerando
essencialmente os ônus e os benefícios que cada agente deve, necessariamente, experimentar ao assim contratar, e, a partir daí, definir se: I) o pagamento por meio de
cartão de crédito pode ser classificado como forma de pagamento à vista; II) o pagamento por meio de cartão de crédito comporta majoração de preço em relação ao pagamento em dinheiro; e III) tal diferenciação importa ou não em prática abusiva de consumo.


Como é de sabença, a utilização do contrato de cartão de crédito encerra diferentes relações jurídicas, interligadas entre si. Evidencia-se, num primeiro plano, a relação jurídica estabelecida entre a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão (cliente), na qual este paga àquela taxa de administração e, eventualmente, juros decorrentes de pagamento parcelado (do cartão), pela concessão de crédito e pela integral responsabilização da compra autorizada perante um estabelecimento comercial.


Outra relação jurídica que se estabelece pela utilização do cartão de crédito é aquela entabulada entre a instituição financeira (empresa emissora e, eventualmente,
também administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). Nesta, a administradora do cartão credencia o estabelecimento comercial, implanta tecnologia e assume o risco integral do crédito e de eventual fraude.


Em contrapartida, o estabelecimento comercial, a cada compra efetivada, transfere um percentual desta, previamente contratado, à emissora. A análise da presente controvérsia recai, especificamente, sobre a relação jurídica que se estabelece entre o cliente (consumidor) e o estabelecimento comercial
(fornecedor).

Nesta relação, é de se constatar que o estabelecimento comercial, ao disponibilizar a seus consumidores o pagamento por meio de cartão de crédito (forma
de pagamento cada vez mais utilizada em razão das inúmeras vantagens que nela se verifica, tais como a segurança e conveniência de o consumidor não portar grandes
somas de dinheiro, entre outras) agrega ao seu negócio, inequivocamente, um diferencial, um valor que certamente tem o condão de aumentar o fluxo de clientes e por
consequência, majorar seus lucros.
Não se deve olvidar, ainda, que o pagamento por meio de cartão de crédito garante ao estabelecimento comercial o efetivo adimplemento, já que, como visto, a administradora do cartão se responsabiliza integralmente pela compra do consumidor, assumindo o risco de crédito, bem como de eventual fraude.
Nesse ponto, é de se observar que o consumidor, ao efetuar o pagamento por meio de cartão de crédito (que só se dará a partir da autorização da emissora), exonerase,
de imediato, de qualquer obrigação ou vinculação perante o fornecedor, que deverá conferir àquele plena quitação.


Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda, pro soluto (que enseja a imediata extinção da obrigação). Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC, cobrar mais de quem paga com cartão de crédito fere o inciso V do artigo 39 do CDC (Código de Defesa do Consumidor), que classifica como prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem como a Portaria 118/94.

Neste sentido:

Art. 1º Dispensar a obrigatoriedade da expressão de valores em
cruzeiro real nas faturas, duplicatas e carnês emitidos por
estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de
serviços, representativos de suas vendas a prazo, inclusive para
serem liquidados com prazo inferior a trinta dias, observado o
seguinte:

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também às
faturas emitidas por empresas administradoras de cartões de
crédito, caso em que:

I - não poderá haver diferença de preços entre transações
efetuadas com o uso do cartão de crédito e as que são em
cheque ou dinheiro; e, (grifo nosso)
Insubsistente, assim, o argumento adotado pelos representantes dos estabelecimentos comerciais no sentido de que o recebimento do valor referente à
compra, pela administradora, somente se daria depois de 30 (trinta) dias (ou, ainda, como pode ocorrer, se de imediato, por meio de cessão de crédito que abrangeria um percentual sobre a compra ainda maior daquele contratado).


Como assinalado, este viés da contratação é restrito à relação estabelecida entre o estabelecimento comercial e a empresa de cartões, e em nada desnatura o apontado pagamento à vista procedido pelo consumidor, que se exonera de qualquer obrigação perante o fornecedor. Ademais, impõe-se deixar assente que o custo pela disponibilização de pagamento por meio do cartão de crédito deve ser arcado exclusivamente pelo estabelecimento comercial.
Na verdade, este custo é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário, destinada à obtenção de lucro, em nada referindo-se ao preço de venda
do produto final. Imputar mais este custo ao consumidor equivaleria a atribuir a este a divisão de gastos advindos do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva, como visto, do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial do sistema protecionista do consumidor.


Veja-se, no ponto, que, ao estabelecimento comercial, é conferido o direito de eleger a forma de pagamento que entenda ser a mais conveniente, segura e de maior
credibilidade a seus negócios, sem que isto acarrete qualquer violação ao direito do consumidor. É certo, também, que o estabelecimento comercial sequer é obrigado a
disponibilizar o pagamento por meio de cartão de crédito de suas mercadorias. Se o faz, tal se dá justamente pelas benesses que referido sistema lhe proporciona.
Entretanto, o consumidor, pela utilização do cartão de crédito, já paga à administradora e emissora do cartão de crédito taxa por este serviço (taxa de administração).


Atribuir-lhe ainda o custo pela disponibilização de pagamento por meio de cartão de crédito, responsabilidade exclusiva do empresário, importa em onerá-lo
duplamente (bis in idem) e, por isso, em prática de consumo que se revela abusiva.


Poder-se-ia, ainda, argumentar que a proibição de diferenciação de preços para o pagamento em espécie e o efetuado por meio de cartão de crédito teria, diversamente do
que ora se propõe, o condão de fazer com que os estabelecimentos comerciais diluíssem o valor do qual são responsáveis no preço da mercadoria para todos os consumidores, mesmo para aqueles que pagassem em dinheiro. Tem-se, entretanto, que referida argumentação parte de premissa equivocada.


Isso porque, não há qualquer imposição legal aos estabelecimentos comerciais de conceder desconto em razão de pagamento em dinheiro. E nem poderia haver, já que
a mensuração do preço da venda cabe exclusivamente aos empresários (desde que, nos termos assentados, não repasse ao consumidor, custos inerentes ao risco de seu
empreendimento).
Na verdade, o impedimento à referida diferenciação de preços fará com que aquele estabelecimento comercial que, a seu alvedrio, prefira não conferir desconto em
razão do pagamento à vista (seja ele por qualquer meio: dinheiro, cheque, cartão de crédito - não parcelado), perca um diferencial a seu negócio (e que, certamente, importe num menor fluxo de clientes) em relação àquele empresário, do mesmo ramo, que conceda o referido desconto para qualquer pagamento à vista. Esclareça-se: o que não se permite não é a concessão de desconto (este, salutar para as relações de consumo), mas sim a diferenciação de preços para formas de pagamentos que em muito se assemelham.
Tem-se, assim, por qualquer aspecto que se aborde a questão, inexistir razões plausíveis para a existência de diferenciação de preços para o pagamento em pecúnia,
por meio de cheque e de cartão de crédito (não parcelado), constituindo, inclusive, prática de consumo abusiva, nos termos da Portaria 118/94, bem como dos artigos 39,
inciso X, e 51, inciso X, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, o consumidor que for cobrado a mais pelo pagamento com cartão, ou lhe for exigido um valor mínimo para a utilização do mesmo, pode exigir seus
direitos. Caso não seja atendido, não precisa aceitar a imposição e assim, deverá escolher outra loja para realizar suas compras. O consumidor pode ainda fazer a
denúncia ao PROCON de sua cidade.

Comentários

  • Simone Carrion 29/11/2020 às 09:09

    Acho que o texto deveria estar em uma linguagem mais simples e existe uma lei, de 2017 assinada pelo então presidente Temer que libera a prática desde que o cliente seja avisado antes do pagamento.

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