Poder e Cotidiano em Sergipe
Estamos criminalizando e/ou judicializando a política? 17 de Junho 14H:08
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Estamos criminalizando e/ou judicializando a política?

Há 14 anos surgiu no cenário jurídico nacional a Lei de Ficha Limpa (LC 135/10). Respaldado por 1,6 milhão de assinaturas, fruto de movimento popular encabeçado pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), nosso Congresso Nacional, tradicionalmente responsivo, a aprova, por certo não tendo a exata dimensão do enorme talho na própria carne que abrira.

Diz-se, maldosamente, que na política a “única vergonha é perder”, e, castigo ainda maior, tornar-se inelegível, eis que, também se diz: “político sem mandato é igual a rolete de cana chupado”. Pois bem, a LFP veio para mexer neste exato ponto, ao parametrizar as hipóteses de inelegibilidade à probidade administrativa, com o salutar e aplaudidíssimo propósito de criar as condições para uma boa governança, livre da malsinada corrupção, inclusive a eleitoral.

Alterando sobremaneira a LC 64/90 - a chamada “Lei das Inelegibilidades” - em pontos nevrálgicos, dentre os quais destaco: ampliando de 3 para 8 anos os períodos de inelegibilidades; inovando no ordenamento jurídico ao criar diversas novas hipóteses de inelegibilidade; e, por fim mas não menos importante, relativizando o trânsito em julgado, ao considerar as decisões colegiadas como já válidas para efeitos de impugnações a registros de candidatura sob o viés da inelegibilidade.


Destarte, após a LFP, aquele que cometer um crime contra a saúde pública ou uma infração ético-profissional, v.g., ficará alijado da vida na polis, de participar do “cardápio eleitoral”, por longínquos 8 anos, nalguns casos após o cumprimento da pena! Não desmerecendo tais práticas, vejo como um exagero – “erramos na mão” - a meu pesar.


No ímpeto de moralizar a política a criminalizamos por demais, criamos “jaulas de aço” (Weber), como se fosse possível medir a democracia com uma régua.


Como consequência, a Justiça Eleitoral passou a ser demandada como nunca na dificílima missão de suprimir ou realizar a vontade popular ao julgar eventuais abusos. Juízes deixaram de ser espectadores para, de certa forma, engajar-se na vontade do eleitor; a política se judicializou cada vez mais, portanto.


Os números falam por si, en passant vamos a eles: tivemos 2 processos de impeachment de Presidentes da República desde a redemocratização; 623 cassações de mandato num intervalo de 7 anos, sendo 2 Governadores; um Prefeito retirado do cargo a cada 8 dias e, em mais de 5% dos municípios brasileiros, tivemos eleições suplementares! Fazendo minhas as palavras de Samuel Isacharoff, seriam estes indícios de nossa “fragile democracie”.


Somos recordistas mundiais em cassações de mandato, pódio que, penso eu, não deve nos orgulhar, posto que, referida decisão, por ser contra majoritária, deve ser sempre tida como a ultima ratio, não sendo desmedida, nem muito menos amparada por razões apaixonadas nem preconceitos de qualquer ordem, mais das vezes advindos de falsos movimentos revolucionários.


Mandatos eletivos são detentores de certa incolumidade, modos que, todo aquele que os retira ou os concede, deve sempre agir com a mais extrema parcimônia!


Há mesmo um certo paradoxo entre o máximo de participação popular que representa o voto popular e este excesso na tutela do eleitor, sempre supondo-o vulnerável, ele que é quem deve deter o controller no exercício do papel de “faxineiro” de nosso sistema político.


Pelo exposto, creio ser preciso repensar pontos específicos de nossa legislação, que se tornou, por vezes, draconiana, desproporcional e injustificável. Eleições legítimas e a moralidade no trato da coisa pública serão sempre a meta a ser buscada pelos compêndios e pela atuação diuturna dos órgãos de fiscalização e controle, mas não a preço de sairmos criminalizando pessoas nem sempre mal intencionadas, ou as amedrontando ao ingresso na vida pública.


Pelas mesmas razões, e dada à difícil arte de convencer em política, não estaríamos criando “terceiros turnos” em eleições?, os quais ocorrem não no palco da arena popular - como deveria ser - senão em tribunais superiores da capital federal?

 

* Peterson Almeida Barbosa é Mestre em Direito, Professor e Especialista em Direito Eleitoral e membro da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Polítíco

 

 
 
 

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