Por Flávio Augusto Araújo Cardoso
Bacharel em Direito
Em decisão no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, foi determinado que seja cumprida a jurisprudência do STJ, ou seja, o que entende o Superior Tribunal de Justiça relativo à realização de trabalho externo, qual seja, de que a restrição de cumprimento de um sexto de pena não se aplica aos presos em regime semiaberto.
Faz-se necessário um exame conjugado do Código Penal (Lei 2.848/1940) e da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984) para se chegar à conclusão de que, entre outros requisitos, e imprescindível o cumprimento de 1/6 da pena para o preso ter direito ao trabalho externo. O Código Penal traz algumas regras inerentes a cada um dos regimes, nos artigos 33 ao 36, abaixo reproduzidos para uma melhor compreensão do raciocínio:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
...
Regras do regime fechado.
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.
Regras do regime semiaberto.
Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.
Regras do regime aberto.
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga...
Por sua vez, a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984) traz normas adicionais, mais detalhadas, acerca da execução penal. Sendo que, na Seção III, no artigo 37, expressamente elenca quais são os requisitos para que se possa cogitar da possibilidade de autorização para o trabalho externo. Dentre os quais, a imperiosidade de cumprimento de pelo menos um sexto da pena:
Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
...
Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. (grifos nosso)
Em que pese o art. 37 da LEP exigir o cumprimento de um sexto da pena para concessão de trabalho externo, o Superior Tribunal de Justiça considera dispensável o preenchimento desse requisito: REsp 303076, 5ª T., Rel. Des. Laurita Vaz, j. 22-3-2005; REsp 556590/DF, 6ª T., Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 25-8-2004. Este é o entendimento majoritário, vejamos decisão recente sobre o tema: Admite-se a concessão do trabalho externo ao condenado em regime semiaberto, independentemente do cumprimento de, no mínimo, 1/6 da pena, desde que verificadas condições pessoais favoráveis pelo Juízo das Execuções Penais. Precedentes (STJ, HC 251107, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 19.03.2013.)
A execução da pena. Segundo a Lei de execução Penal, em seu artigo primeiro, “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Se a principal função da execução da reprimenda imposta pelo Estado é preparar o indivíduo para o convívio social, parece absolutamente claro que privar-lhe do convívio social é um absoluto contrassenso.
Em uma rápida pesquisa se observa que desde 2000, não há, no Superior Tribunal de Justiça e nos limites dos termos pesquisados, nenhuma decisão que assevere a necessidade de cumprimento de 1/6 da pena para que o preso em regime inicial semiaberto possa exercer trabalho externo ao estabelecimento prisional.
Daí porque, com exceção do puro arbítrio infundado, não se sustenta, após 14 anos de posicionamento uníssono, decisão que exija do preso o cumprimento do requisito objetivo para que possa trabalhar fora do presídio, possibilidade que atina a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana.
Não pode o poder judiciário, mesmo em casos de repercussão nacional, contrariar a jurisprudência, instaurando uma grave crise de insegurança jurídica e, em se tratando de execução de pena, correr o risco de um verdadeiro caos no sistema penitenciário.
Segundo o voto do ministro Roberto Barroso, seguindo o entendimento predominante nos tribunais locais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual a restrição de cumprimento de um sexto da pena não se aplica aos presos em sistema semiaberto. Isso porque na maior parte dos estados não é possível o exercício de trabalho interno, uma vez que não possuem colônias agrícolas, industriais ou assemelhadas para trabalho dos condenados. “A negação do trabalho externo para reintroduzir a exigência do cumprimento de um sexto da pena é drástica alteração de jurisprudência e vai de encontro ao estado do sistema carcerário”, afirmou.
Com esta decisão, o STF torna pacificado o entendimento de que não é necessário o cumprimento de 1/6 da pena para ter direito ao trabalho externo, contrariando a lei. Chegando a conclusão de que, neste caso, não cumprir a lei é o mais sensato e digno a ser feito.
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