Poder e Cotidiano em Sergipe
Aracaju e um aniversário em meio à pandemia: perdas, desafios e reconhecimentos 18 de Março 9H:07
ARTIGOS | Por Max Augusto

Aracaju e um aniversário em meio à pandemia: perdas, desafios e reconhecimentos

- “Ficamos reclusos nas nossas casas e entendemos a real importância da moradia adequada"

- Farolândia, Jabotiana, Luzia, Zona de Expansão são os bairros que apresentam maior número de contaminados, representando juntos 23,76% do total de casos na capital. Também  foram os que mais receberam empreendimentos imobiliários desde 2.000

- Pandemia se alastrou para os bairros com habitações precárias

Ontem, 17 de março de 2021, nossa Aracaju comemorou seu aniversário de 166 anos em meio à pandemia da COVID-19. Mas, existe uma esperança de cura em forma de vacina que chegou à nossa capital no dia 19 de janeiro. A enfermeira do Hospital de Urgências de Sergipe (HUSE), Sônia Aparecida Damásio, foi a primeira vacinada em Aracaju, com uma justa homenagem representando todos que atuam no enfrentamento do coronavírus há um ano. Após 2 meses foram 38.267 pessoas vacinadas, dentre idosos com mais de 75 anos e profissionais de saúde.

Ao longo de um ano, foram realizados 153.902 testes, sendo 81.109 casos confirmados, 77.300 pessoas recuperadas e, infelizmente, 1.183 vidas perdidas. Assim, em função desses números, que se ampliaram nas últimas semanas, da superlotação dos atendimentos emergenciais e da insuficiência de leitos de internação e UTIs, que tem acarretado o fechamento de hospitais, a cidade aniversariante está em uma semana de restrições, com fechamento de serviços não essenciais, conforme decreto do Governo Estadual. Nesse sentido, é importante reconhecer a sobrecarga de trabalho e estress emocional dos profissionais da linha de frente, que merecem todo nosso reconhecimento.

Desde o primeiro caso confirmado na capital de Sergipe, em 14/03, uma moradora do bairro Atalaia, nossos hábitos mudaram. O Governo do Estado decretou, em 16/03, situação de emergência de saúde pública e suspendeu atividades presenciais. Ficamos reclusos nas nossas casas e entendemos a real importância da moradia adequada. Na verdade, a pandemia só evidenciou as desigualdades sociais que já existiam.

De um lado, para famílias de nível de renda médio e alto, aumentou a procura pelo estilo de vida da moradia em condomínios fechados de casas, e com o isolamento social, fortaleceram-se relações familiares. Ampliaram-se possibilidades de home-office (embora muitas vezes extenuantes e divididas com as atividades cotidianas do lar) e o desafiante ensino remoto foi utilizado como alternativa para retorno às aulas.

De acordo com o boletim diário da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), os bairros Farolândia (1o), Jabotiana (2o), Luzia (3o), Zona de Expansão (4o) são os que apresentam maior número de contaminados, representando juntos 23,76% do total de casos na capital. Entretanto, cruzando esses dados com pesquisas anteriores, esses bairros foram os que mais receberam empreendimentos imobiliários desde 2.000, especialmente condomínios verticais. Então, um dos problemas seria o adensamento urbano sem controle?

De fato, para as classes de renda mais baixa, a realidade tem sido outra, a quem a gestão deve redobrar atenção, a fim de equilibrar a justiça socioespacial. Para auxiliar o planejamento em tempos de pandemia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em maio de 2020 a contagem preliminar e estimada de 2019, referente aos espaços de moradia precárias para os municípios. Para Aracaju, foram registrados 95 aglomerados subnormais (nomenclatura utilizada pelo IBGE) abrigando 33.817 domicílios com formas de ocupação irregular, entre 214.290 domicílios estimados para capital, nesse mesmo estudo.

Essa informação levanta preocupações em função das condições da moradia inadequadas e sem qualidade arquitetônica e urbanística, pois muitas delas se caracterizam por não ter banheiro próprio, dispor de ambientes sem iluminação e ventilação, várias pessoas viverem no mesmo cômodo, por não dispor de divisões nos ambientes, dificultando ainda mais o isolamento social, sobretudo nos casos de alguma infecção ou suspeita da COVID-19 em um dos membros da família. Isso leva a apontar a importância da regulamentação e implementação da Lei Federal n°11.888/2008 da Assistência Técnica Gratuita para Habitação de Interesse Social (ATHIS) na capital sergipana através de um programa, garantindo o direito à moradia de qualidade à população de baixa renda, através da democratização do acesso aos serviços públicos de arquitetura para reforma e melhorias em suas residências.

Assim, percebeu-se também que pandemia também se alastrou para os bairros com habitações precárias, cujos moradores são que mais dependem do atendimento médico nas Unidades Básicas de Saúde. De acordo com a SMS, até a última terça (16/03) foram contabilizados no bairro São Conrado 3.481 contaminados (5o) (4,29% do total), no Santos Dumont 3.029 contaminados (6o) (3,8% do total) e Santa Maria 2.443 contaminados (8o) (3% do total). Neste último bairro, dos 9.540 domicílios que constam no Cadastro Único do Bolsa Família em 2017, conforme o Observatório Social de Aracaju, 29,39% não dispõe do abastecimento de água através da rede geral de distribuição, se constituindo um grande entrave quanto a higienização das mãos, condição é fundamental para a prevenção da COVID-19.

Ainda nesse contexto, das 74.395 famílias inseridas atualmente, no Cadastro Único, 58.716 recebem até ½ salário mínimo (site do Ministério de Desenvolvimento Social). São trabalhadores informais que utilizam o transporte público como forma de deslocamento, embora o mesmo tenha sido considerado um grande vetor de disseminação da doença, de acordo com um estudo do Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ. Assim, apesar das rigorosas medidas de controle de higiene e do número de passageiros, em tempos de necessidade de distanciamento social são frequentes os relatos e cenas de ônibus lotação máxima, filas de espera nos terminais, sendo fundamental que os empresários e gestores adotem novas estratégias para reduzir os riscos dos usuários e também dos motoristas, cobradores etc.

Diante dessas questões de produção do espaço aracajuano frente à pandemia, é importante reafirmar a importância da integração do planejamento urbano participativo nas questões da saúde pública. Vários desses números dos contaminados da COVID por bairros demonstram ausências ou ineficiência do planejamento e gestão pública ao longo de todos esses anos, que deveria pensar integradamente e antecipadamente diversas temáticas referentes à cidade, como habitação, emprego, mobilidade, saneamento básico, ocupação e uso do solo, meio ambiente, saúde, educação, dentre outros. Sendo assim, o Plano Diretor é esse instrumento, que define as diretrizes de desenvolvimento urbano (Lei no 42, promulgada em 2000), mas encontra-se desatualizado, pois sua revisão obrigatória deveria ter ocorrido em 2005.

Dentre tantas perdas e índices que necessitam ser melhorados, Aracaju também têm comemorações.

Reconhecemos papel da ciência nas políticas desenvolvidas para o controle da pandemia da COVID-19 em Aracaju! A Universidade Federal de Sergipe através de seus docentes e discentes realizou inúmeros estudos e experimentações, como a produção de insumos como álcool gel, equipamentos de proteção, tratamento de pacientes, auxílio e assistência estudantil, além do aplicativo Monitora SUS.

Foram realizados cerca de 5.600 testes da COVID-19 nos diversos bairros da cidade através dos projetos Força Tarefa e Projeto EpiSergipe em parcerias institucionais com o Ministério Público do Trabalho e Governo do Estado de Sergipe respectivamente, para desenvolvimento de estudos e ações que visam acompanhar o grau de contaminação e impactos do novo coronavírus em Sergipe. No caso de Aracaju, estudos frequentes sobre o comportamento epidemiológico por zonas foram apresentados por docentes no Comitê de Operações Emergênciais (COE) da Prefeitura Municipal de Aracaju.

De fato, a pandemia nos mostrou vários lados e olhares da nossa cidade, principalmente do quanto a nossa Aracaju é especial: da Ponte do Imperador à Orla de Atalaia, do Parque da Cidade à Catedral, da Praça Fausto Cardoso à Orla do Mosqueiro... Para que possamos vivenciar e desfrutar de forma saudável desses espaços, faz-se necessário pensarmos coletivamente a efetivação de um planejamento de forma pactuada da cidade na pandemia e pós pandemia, a fim de que, a cura através da vacina atinja a todos, que a cidade recupere a economia, que os cidadãos reconquistem a autoestima e que, por fim, o direito à cidade e à moradia seja, para de fato TODOS nós aracajuanos, conforme prega a Constituição Brasileira. É esse o nosso desejo para os próximos 166 anos Aracaju.

Mas o maior desejo é que no ano que vem nos abracemos e comemoremos juntos mais um aniversário da nossa jovem e querida Aracaju!!!

Parabéns Aracaju!!!!


Profa. Dra. Sarah Lúcia Alves França
Aracajuana, Arquiteta e Urbanista, Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Líder do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR, Universidade Federal de Sergipe

Viviane Luise de Jesus Almeida
Amanda Santos Morais
Discentes do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Membros do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais (CEPUR), Universidade Federal de Sergipe

Comentários

  • Osvaldo Kazumi Asanuma 21/03/2021 às 22:34

    Parabéns à cidade de Aracaju pelo seus 166 anos de existência! Por tudo que se tem feito por ela pra se desenvolver forte e pujante ainda são necessárias determinar pelos seus gestores políticas públicas consistentes, eficientes, eficazes, efetivas, econômicas e de respeito ao meio ambiente e ao seu povo. Esse ardente desejo é o meu presente para a cidade que amamos.

Deixe seu comentário

Imagem de Segurança
* CAMPOS OBRIGATÓRIOS
Whatsapp

Receba notícias no seu Whatsapp.

Cadastre seu número agora mesmo!

Houve um erro ao enviar. Tente novamente mais tarde.
Seu número foi cadastrado com sucesso! Em breve você receberá nossas notícias.