Poder e Cotidiano em Sergipe
A pandemia e o financiamento da Educação Básica 19 de Outubro 16H:23
ARTIGOS

A pandemia e o financiamento da Educação Básica

*Josué Modesto dos Passos Subrinho

A pandemia da covid 19 provocou uma paralisação muito extensa e duradoura das atividades presenciais nas escolas brasileiras e demonstrou as múltiplas dificuldades de conversão dos projetos pedagógicos do formato presencial para o remoto. O resultado, ainda não totalmente aferido, foi o acúmulo de perdas educacionais que nos obrigarão a desenhar estratégias não apenas para a volta da normalidade, mas, também, para a reformulação de estratégias com o objetivo de tratar as graves sequelas acumuladas, como também de nossas práticas para construirmos uma escola pública cada vez mais inclusiva, mais equitativa e com melhor qualidade para todos.

 

A recente divulgação de dados acerca da execução orçamentária na área da educação, por estados, municípios e Governo Federal, chamou a atenção da imprensa e está provocando debates que extrapolaram o restrito círculo dos especialistas em finanças públicas. Dois fatos se destacaram: a retração do dispêndio em educação pelas três instâncias da Administração Pública e a antevista dificuldade de alguns entes federados em efetivar os dispêndios mínimos estabelecidos para a área.

Como se pode ver, os estados brasileiros e o Ministério da Educação tiveram, em termos reais, redução nas despesas com a função educação, entre os anos de 2015 e 2020, enquanto os municípios mantiveram uma pequena expansão até o ano de 2019. Este comportamento de estagnação ou redução de gastos contrasta com a tendência de crescimento de despesas na função que caracterizou o período de 2005 a 2015. Neste período, o dispêndio público em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) subiu de 4,5% para 6,2%. O subconjunto da Educação Básica teve sua participação elevada de 3,6% para 4,9%.

A deterioração da situação fiscal dos estados e municípios brasileiros levou a compressões na disponibilidade de recursos para a área da educação e acirrou um debate acerca da sua suficiência e, de outro, sobre a eficiência do gasto público, visto que a expansão, no período mencionado, não foi acompanhada de significativa melhoria nos indicadores de qualidade.

Aparentemente esse debate teve um desfecho com o amplo apoio obtido no Congresso Nacional para a aprovação da Emenda Constitucional nº 108/2020, que tornou o FUNDEB permanente, mais redistributivo de recursos públicos aos municípios mais pobres, com previsão de maiores aportes do Governo Federal e, finalmente, com algumas medidas indutoras de melhor gestão de recursos.

Para o caso de Sergipe, abordaremos, além da situação local no contexto nacional, os esforços da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura - SEDUC em converter a redução de gastos de custeio em ampliação de investimentos, em sentido econômico e, também, em dispêndios com impactos imediatos na melhoria das condições de ensino.

O ano de 2019 foi o último com o funcionamento das escolas em formato presencial. A partir de março de 2020 as escolas públicas foram fechadas, em praticamente todo o país. Com dificuldades e resistências, o ensino remoto, em suas diversas formas, passou a ser praticado enquanto os dirigentes educacionais temiam um colapso financeiro-orçamentário, visto que a abrupta queda das atividades econômicas levava à redução da arrecadação de impostos muito fortemente vinculados ao nível corrente da atividade econômica, a exemplo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS).

O Congresso Nacional aprovou um amplo pacote de medidas emergenciais para enfrentar a crise inédita, entre as quais um substancial apoio do Governo Federal aos Estados e Municípios para suportar as despesas ampliadas na área da saúde e manter o funcionamento da estrutura administrativa. Ocorre que esses recursos recebidos pelos estados e municípios não tinham vinculação de gastos à educação. O temor, portanto, era que em um cenário com novas despesas (ensino remoto) e, possivelmente, com inflexibilidade de gastos, houvesse um colapso das redes públicas de ensino. É fácil entender esse temor quando lembramos que havia uma projeção de queda da arrecadação tributária entre um mínimo de 8% e um máximo de 30%.

O resultado, como sabemos hoje, foi, grosso modo, uma discreta queda do nível de arrecadação e de despesas e algumas mudanças na composição interna dos dispêndios, conforme podemos ver abaixo, com base nos dados de Sergipe.

 

O total das despesas liquidadas apresentou um aumento nominal de 0,5%; ou seja, praticamente se manteve estável, entre 2019 e 2020, tendo sido, portanto, eliminada a ameaça de colapso orçamentário que se aventou no início da pandemia. A principal categoria de despesa, a referente à remuneração do pessoal, teve um crescimento ligeiramente acima da despesa total. Esse resultado foi possível porque, paralelamente ao crescimento vegetativo, este decorrente de promoções legalmente estabelecidas, houve uma redução na quantidade de pessoas na folha de pagamentos da SEDUC, de um total de 14.434 servidores/funcionários/colaboradores em dezembro de 2019 para 13.671 em dezembro de 2020, ou seja, uma redução de 5,3%. Quanto aos professores lotados nas escolas, no mesmo período, o total passou de 8.018 para 7.749, uma redução de 3,4%.

A redução na categoria custeio, em que se encontram as despesas de manutenção das estruturas administrativas vinculadas à SEDUC, foi pequena em termos nominais: 4,2%; que se deve acrescer ao impacto da correção de preços e tarifas. Em outras palavras, a redução das horas de expediente e o trabalho remoto tiveram efeito na redução do custeio tipicamente administrativo.

Contrastando com essa relativa estabilidade, em outras categorias tivemos crescimento ou redução expressivos de despesas. Foi o caso, por exemplo, da manutenção das atividades-fim, que apresentou um crescimento de 52,6% entre os anos de 2019 e 2020. Despesas dirigidas diretamente ao funcionamento das escolas, a exemplo de atividades e projetos pedagógicos e merenda escolar são classificadas nessa categoria. Mereceu destaque o crescimento dos repasses diretos para execução por parte dos conselhos escolares, por meio do PROFIN. Neste caso, a manutenção das escolas e sua adaptação aos protocolos sanitários tiveram crescimento expressivo, passando de um montante de R$ 4.823.699 em 2019 para R$ 39.862.134 em 2020.

A categoria obras foi outra que apresentou grande crescimento de dispêndio no período em exame. O percentual foi de 74,1%. Nesta categoria encontram-se a reforma de prédios escolares, sua ampliação e a construção e reformas de quadras esportivas nas escolas, por exemplo.

A categoria investimentos foi, de longe, aquela com maior crescimento de dispêndios, na ordem de 500%. Tradicionalmente essa categoria depende fortemente de transferências do Governo Federal por intermédio de programas pactuados com a SEDUC. Com exceção do Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral, os repasses do Governo Federal foram pouco expressivos, sendo o crescimento verificado decorrente da aplicação de recursos estaduais. A aquisição de mobiliário escolar, equipamentos de cozinha, laboratórios de ensino, computadores e material de informática e a melhoria na qualidade da conexão à rede de internet foram alguns dos exemplos de dispêndios feitos na mencionada categoria. Uma parte foi feita diretamente pelas escolas, por meio do programa PROFIN, o que permitiu a cada conselho escolar definir as prioridades de aquisição, tendo em vista as necessidades e disponibilidades específicas de cada unidade escolar. Nossas escolas estão passando por saltos tecnológicos e de construção de ambientes adequados aos estudos, propiciando conforto e dignidade a todos os membros de suas comunidades.

Finalmente, a maior redução de despesa ocorreu na categoria transporte escolar, com 76,5%. Esta, que era uma das principais categorias de despesa da SEDUC, teve uma forte queda por razões sabidas. A paralisação das atividades presenciais em nossas escolas levou à suspensão do transporte escolar. Com exceção dos meses de fevereiro e março de 2020 e do retorno parcial às atividades presenciais, no segundo semestre, pelas escolas que ofertam a terceira série do ensino médio, houve grande diminuição de atividade e consequentemente de despesas.

Um pequeno adendo. A Rede de Pesquisa Solidária, organismo dedicado à produção de informação de qualidade para aperfeiçoar as políticas públicas e salvar vidas, disponibilizou em seu Boletim 33 uma Nota Técnica em que divulga um Índice de Ensino a Distância (IEAD), numa escala de 0 a 10. Todos os estados brasileiros e o Distrito Federal empreenderam esforços para o avanço da educação a distância em decorrência da suspensão das atividades presenciais. Vejamos a descrição do Índice e sua evolução.

Para mensurar a existência de condições para a efetivação em larga escala da educação a distância para as redes públicas de Educação Básica, o organismo aferiu os seguintes aspectos: Meios de transmissão, formas de acesso, supervisão dos alunos e cobertura para os diversos níveis. Sergipe está entre os estados que mais evoluíram nos diversos aspectos da educação a distância aplicada à Educação Básica. Entre 2020 e 2021 o Índice do conjunto dos estados cresceu 86,7%, enquanto em Sergipe o crescimento foi de 126%. Parte da melhoria foi obtida com convênios e parcerias que não envolveram o dispêndio de recursos públicos, a exemplo da disponibilização de material digital pelos estados do Amazonas e Piauí, do patrocínio de parceiros privados como a Fundação Telefônica Vivo, Fundação Lemann, Instituto Península, Instituto Natura, Explicaê, entre outros. E, finalmente, o esforço das equipes técnicas, das professoras e professores na reformulação dos projetos e estratégias educacionais permitiram mitigar as imensas perdas decorrentes da longa suspensão das atividades escolares presenciais.

Concluindo. O período entre 2019 e 2020 foi muito complexo sob o ângulo do financiamento das redes públicas de ensino. Após uma fase de estagnação de recursos, decorrente da longa crise que se seguiu ao ano de 2015, tivemos em 2020 a irrupção da pandemia da covid 19 e a aprovação da Emenda Constitucional 108/2020 que estabeleceu o novo FUNDEB. As expectativas de novos recursos transferidos pelo Governo Federal ainda não se tornaram realidade, ao tempo que a ameaça de colapso do financiamento parecia comprometer toda a Educação Básica em meados do ano de 2020, visto que a forte redução das receitas correntes dos estados e municípios, principal fonte de financiamento da Educação Básica, não era compensada pelo auxílio emergencial transferido pelo Governo Federal. Este auxílio, entretanto, teve importante papel na sustentação do nível de atividade econômica, impedindo um mergulho na recessão. A pequena redução nas despesas de custeio e expressiva redução nas despesas de transporte escolar permitiram um redirecionamento de recursos para outras categorias.

No caso de Sergipe, esses recursos foram fundamentalmente redistribuídos para as atividades-fim, para os investimentos e para obras em estabelecimentos escolares. Os esforços para redirecionamento foram colossais e podem ser comprovados nos números da execução orçamentária. As dificuldades nessas movimentações nem sempre são evidentes para o cidadão comum. Mas nossas comunidades percebem o novo patamar de recursos disponíveis e acreditam que eles são imprescindíveis para a conquista e manutenção da qualidade de ensino. Equipamentos, oferta de material escolar de uso individual para os estudantes, infraestrutura de comunicação com qualidade, alimentação escolar e novas pautas, como o uniforme escolar e absorventes para as estudantes, são requisitos para uma escola de qualidade, inclusiva e equitativa, que, aliás, é exigida, também, pelo novo marco estabelecido pela Emenda Constitucional nº 108/2020.

Sergipe deu um bom exemplo de transição nesse período turbulento. Esperamos uma fase de melhorias, com o retorno das atividades presenciais, com o pleno funcionamento dos novos mecanismos do FUNDEB, com a esperança da superação da crise econômica e, finalmente, com o aproveitamento das boas experiências que esse período nos propiciou.

 

[*] É secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura - Seduc -, e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana no Paraná.

 

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